"Sexo frágil": mulher, negra e sem teto

Elizabete Afonso Pereira, uma mulher comum, demonstra o verdadeiro significado do que é ser ‘guerrilheira’. 

A fotografia do projeto Alma de Bronze, série “Guerrilheiras”, da artista visual Virginia de Medeiros, mostra uma mulher negra, aparentemente alta e forte, olhando desconfiada para o seu lado direito, enquanto segura facilmente três tijolos. 


A imagem, em preto e branco, apresenta, primeiro, 4 sacos de cimento. Em segundo plano, há uma mulher com traços negróides, fisicamente forte, que segura 3 tijolos enquanto desvia seu olhar da câmera. Ao seu redor, há uma pilha de tijolos. Ela está dentro de um lugar já  construído, o que sugere que ela irá fazer uma reforma no local.
Virginia de Medeiros

A mulher em questão é Elizabete Afonso Pereira, integrante do Movimento Sem Teto do Centro, em São Paulo. Sua postura é emblemática, pois, ao segurar os tijolos, não demonstra nenhum esforço. Seu olhar distraído da câmera delata que ela não estava confortável em ser fotografada, o que me abre margem para pensar que isso não é algo comum em sua vida, que ela foi invisibilizada por algum tempo e não está acostumada a aparecer tão publicamente. Por outro lado, a confiança e a determinação ultrapassam o aspecto de desconforto. Essa mulher que já aparenta ser forte, torna-se ainda mais vigorosa. Ela é uma das “guerrilheiras” fotografadas por Virginia. Inicialmente, partindo do pressuposto de que “guerrilha” é um tipo de luta armada contra um governo ou invasor de um território, mobilizada pelo lado mais fraco e oprimido, compreende-se que, metaforicamente, essas mulheres estão lutando contra aqueles que as impedem de ocupar os espaços a que têm direito.

As pessoas que lutam por seu direito de moradia, os chamados “sem-teto”, ocupam residências que, conforme a constituição federal, não cumprem com sua função social. Em São Paulo, principalmente na área central, são muitos os imóveis abandonados, que são invadidos e, posteriormente, ocupados pelos sem-teto. Diante de uma luta árdua e muitas vezes inglória, construir a própria casa, com suas próprias mãos, é um verdadeiro prazer para essas pessoas. É como se um sonho de tantos anos se materializasse em seus braços. 

Por isso, acredito que Elizabete está determinada a construir sua casa, como alguém que tem consciência dos percalços que sofreu no caminho para chegar até ali. Me sinto inspirada por essa mulher de postura altiva, que representa exatamente o que desejo ser. Sua cabeça erguida e sua firmeza, sua tranquilidade em segurar algo que é sabidamente pesado, serve de exemplo para mim, que tenho carregado outros "tijolos" para construir meus sonhos agridoces.


#leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quarta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.


Links, Referências e Créditos


Como citar esta postagem


GARCIA MORAIS, Isabella. “Sexo frágil”: mulher, negra e sem teto. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:https://culturafotograficaufop.blogspot.com/2022/05/sexo-fragil-mulher-negra-e-sem-teto.html>. Publicado em: 11 de maio de 2022. Acessado em: [informar data].  

Comentários