A fotografia em Estou me guardando para quando o Carnaval chegar

Documentário conta com uma esplêndida fotografia que revela o interior do Brasil.


A delicada narração de Marcelo Gomes em “Estou me guardando para quando o carnaval chegar” pode ser resumida em uma só fotografia. Desde as cores até o posicionamento dos trabalhadores, cada detalhe da imagem emite uma mensagem silenciosa que está à espera de ser decifrada.
 
Marcelo Gomes

No sexto minuto do filme somos apresentados a uma rotina de produção de jeans. Os estímulos que antes se misturavam entre barulhos ensurdecedores e a rapidez dos trabalhadores, são guiados apenas para a imagem acima, revelando a intrínseca mensagem do longa sobre uma cidadezinha pernambucana chamada Toritama, também conhecida como a Cidade dos Jeans.

O registro chega a transmitir certa calmaria, apesar dos movimentos dos trabalhadores fazerem o leitor imaginar o barulho por trás de tal exercício. É incerto o que os operários fazem a seguir, mas o enquadramento cria a sensação de que seja qual for a atividade, ela não acabará tão cedo, como em um processo contínuo que começa no último homem da imagem, mas não termina no primeiro.

Não é mera coincidência que a paleta de cores das roupas dos trabalhadores, azul e branco, se misturem com as mesmas cores da parede, mesas e acessórios. Na verdade, a escolha de relacionar os personagens da fotografia com seu ambiente, parece insinuar uma perda de identidade. Quase como se os quatro homens da imagem, que estão curvados em um tom sério, ao ficarem imersos em suas tarefas não podem mais ser distinguidos do local onde trabalham. Se fundindo e tornando-se invisíveis.

A placidez e neutralidade da imagem é também um manifesto para os sentimentos. Não existe entusiasmo ou alegria. Apenas uma indestrutível concentração. É claro que nem todos os trabalhos equivalem a um parque de diversões, isso também não significa que as pessoas da imagem odeiam seus trabalhos, apenas que a escolha visual ressalta uma rotina enfadonha e frustrante. Não são apenas efeitos físicos, longas e exaustivas horas de trabalho podem afetar a saúde mental de qualquer pessoa também.

Os movimentos de braço, repetidos por todos os trabalhadores, criam a impressão de uma coreografia bem ensaiada. Como se todos, propositalmente ou não, tivessem sido programados para a mesma rotina. O foco aqui não é no rosto desses indivíduos ou suas histórias únicas, é em como esses homens se transformam durante o trabalho, abrindo mão de tudo a fim de uma boa produção.

A fotografia explicita um dilema na indústria atual brasileira. Boa parte da produção de vários tipos de produtos ainda é baseada no uso de mão de obra barata. Porém, enquanto esse fato acaba gerando muitos empregos para pessoas de baixa escolaridade, como para os moradores da cidade de Toritama, os trabalhadores doam todo o seu corpo e alma para a indústria. Perdem sua identidade e se tornam apenas em força de trabalho. Ao mesmo tempo que precisam do emprego para viver, perdem parte de suas vidas em condições desumanas e salários que não pagam por seus devidos esforços. 

Links, Referências e Créditos


#leitura é uma coluna de caráter reflexivo. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, histórica, política, social. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor as postagens de coluna? É só seguir este link.


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