Atrás da Estação de Saint-Lazare

Fotografia de Cartier-Bresson é uma síntese do “momento decisivo”.

A fotografia “Atrás da Estação de Saint-Lazare” tomada por Henri Cartier-Bresson é considerada uma de suas obras mais importantes. Ela retrata o momento em que um homem, saltando sobre uma poça, tem seus pés a prestes a tocar na água.  

Henri Cartier-Bresson, Paris, 1932



Além do homem saltando, a composição da foto mostra vários elementos interessantes. A começar pelo reflexo da água parada, um importante fator para compor o ar misterioso da foto. Um pouco mais atrás, podemos ver o cartaz de um circo e nele o desenho de um dançarino, que parece mimetizar o movimento do homem em uma direção contrária e isso parece complementar o reflexo na água. Além de formas geométricas que trazem a foto um caráter surrealista, como os círculos em primeiro plano e as formas triangulares formadas pelos telhados ao fundo. 


Por que essa fotografia é tão cultuada como sendo a síntese do pensamento de Bresson em relação ao momento decisivo? Em “O Momento Decisivo”, ele diz “Tinha, sobretudo, o desejo de captar numa única imagem o essencial de uma cena que emergia” (BRESSON, 1952, p. 147), ou seja, para ele o momento decisivo seria um exato ponto de uma cena, capaz de resumi-la como um todo, momento esse que só poderia ser captado por puro instinto do fotógrafo, quase que como uma premonição. 


Na foto, o homem está eternamente preso no meio de seu salto, fadado a estar a milímetros do chão sem nunca tocar a água, porém, quem a olha consegue com clareza “ver” seus pés encontrando a água e a deixando turva. Confesso que, depois de tanto tempo olhando para ela, já consigo até ouvir o som da água respingando por todos os lados. É a isso que Bresson se refere ao dizer “uma cena que emerge”. 


Outro ponto importante, cuja existência reforça ainda mais a ideia do momento decisivo, é o fato de a foto ter sido feita através de um buraco em uma cerca, isto sugere que Bresson não utilizou nada além de instinto para captar a cena. Além disso, ao analisar os detalhes das formas e do desenho do dançarino ao fundo, que casam perfeitamente na composição da foto, fica impossível não relacionar diretamente essa fotografia ao seguinte trecho  


Para mim, uma fotografia é o reconhecimento simultâneo, numa fração de segundo, tanto do significado de um fato quanto de uma organização rigorosa das formas, percebidas visualmente, que exprimem esse fato. (BRESSON, 1952, p. 153)



Talvez o único detalhe presente nessa fotografia que a distancie de uma síntese do momento decisivo seja o fato de que Bresson precisou cortá-la, ato raríssimo em todo seu trabalho, já que em muitos textos e entrevistas ele deixa claro seu repúdio por qualquer alteração da fotografia original. Segundo ele, a foto foi feita através de um buraco em uma cerca, que não era aberto o suficiente, por isso boa parte da foto não tinha nenhuma informação.


Não obstante, vemos uma fotografia capaz de resumir toda uma cena em apenas alguns milésimos de segundo, com uma composição tão rigorosa que parece ter sido montada, vemos um universo de possibilidades e conexões, capturado em um pequeno retângulo de 36x24mm. 


#leitura é uma coluna de caráter reflexivo. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, histórica, política e social. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor as postagens da coluna? É só seguir este link. 


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