Uma vítima do sensacionalismo

A capa da Veja que “matou” Cazuza antes da hora é, hoje, um exemplo sobre os limites necessários na cobertura jornalística.

"Uma vítima da Aids agoniza em praça pública" era a manchete que estampava a capa da revista Veja em Abril de 1989. A edição leva o rosto de um dos maiores ídolos do rock nacional, o cantor Cazuza, ex-integrante do Barão Vermelho e autor de clássicos como Ideologia (1988), O Nosso Amor A Gente Inventa (1987) e Exagerado (1985). A capa assustou muita gente por passar a imagem de que o artista, que havia se declarado soropositivo naquele mesmo ano, havia falecido em decorrência da Aids.


Capa da revista Veja com a foto do cantor Cazuza ao centro. Ele aparece em close e cruza os braços sobre o peito. Ele veste uma camisa de frio cinza,  usa óculos e olha para frente com o rosto sereno. A manchete traz em destaque o seu nome e em letras menores a seguinte frase: “Uma vítima da Aids agoniza em praça pública”. O fundo da imagem é bege e a logo da revista está atrás da cabeça do cantor.
Revista Veja

A edição, na época, causou enorme polêmica quanto ao conteúdo da matéria sobre o cantor. O texto trouxe uma forma sensacionalista de abordar a luta de Cazuza contra a doença e é objeto de críticas, até hoje, sobre os limites necessários para se manter a ética no jornalismo.

Analisando a capa sob a ótica da atualidade, isoladamente do texto, notamos o cantor magro, pesando cerca de 40 quilos, em decorrência da AIDS e a forma exagerada como a Veja notícia a sua enfermidade já é suficiente para chocar qualquer um que passasse em frente às bancas de revista  na época.

Mas o que vejo é uma postura serena de uma pessoa que não se deixou abater mesmo passando pela fase mais amarga de sua vida. O olhar de Cazuza é fixo, imponente e corajoso. Ele me olha nos olhos e me passa a sensação de resistência e de que não se entregaria às delimitações e ao terror que a AIDS, ainda sem um tratamento adequado, passava naqueles tempos.

Com a afirmação da revista, que de forma infeliz abordou esse assunto, penso que se o propósito era falar, de forma a esclarecer, ajudar, informar, sobre a doença que acometeu o músico e que, na época, carregava diversos mitos, inverdades e preconceitos em relação às suas vítimas. Poderia não ter se rendido ao apelativo e ao sensacionalismo. Numa tentativa absurda de chamar atenção do público e vender mais às custas de uma pessoa em grande vulnerabilidade.

Cazuza morreu um ano depois do ocorrido. E ainda vemos muitos exemplos jornalísticos tão apelativos quanto este. Basta ligar a televisão para nos depararmos com programas que exploram diversos assuntos sérios da mesma forma que a Veja fez em 1989. Portanto, que essa capa seja lembrada e debatida na sociedade brasileira até os dias de hoje para que possamos avançar na reflexão dos limites entre a informação e o sensacionalismo para que não façamos mais vítimas dessa irresponsabilidade.


#leitura é uma coluna de caráter crítico. Trata-se de uma série de análises de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.




Como citar esta postagem

MAIA, Amanda. Uma vítima do sensacionalismo. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotograficaufop.blogspot.com/2023/03/Uma vitima do sensacionalismo.html>. Publicado em: 2 de mar. de 2023. Acessado em: [informar data].

Comentários