Boris Kossoy e o método iconográfico / iconológico

Historiador oferece importante contribuição para o reconhecimento dos documentos fotográficos como fontes históricas.

O método iconográfico / iconológico propõe compreender a mentalidade de uma época e lugar com base nas obras de arte produzidas naquele tempo e espaço. Para isso, faz-se necessário a reconstituição do contexto em que a obra ou o conjunto de obras sob análise foi produzida mediante o processamento de um variado grupo de documentos. 

Fotografia de três painéis do Atlas Mnemosyne realizado por Aby Warburg. Cada um deles abrange um determinado tema e é composto por diversas reproduções de pinturas e esculturas dispostas lado a lado.
Fragmento de Atlas Mnemosyne de Aby Warburg. Crédito:  Silke Briel / HKW

Parte-se de uma compreensão do processo artístico como um processo de produção simbólica no qual são expressos os conteúdos inconscientes da cultura. Dela decorre a tese de que os estilos artísticos podem ser tratados como sintomas da mentalidade de uma determinada cultura.

O responsável pela concepção deste método foi o historiador da arte Aby Warburg, cujo principal trabalho, Atlas Mnemosyne, tinha o propósito de reconhecer as cadeias de sobrevivência das imagens simbólicas, que ele chamava de pathosformel (fórmula do pathos), na cultura. Nos últimos anos, sua obra vem recebendo grande destaque a partir do trabalho do filósofo Georges Didi-Huberman.  

No entanto, foi Erwin Panofsky, também historiador da arte, o responsável pela sistematização do método. Panofsky destaca que a interpretação de uma obra de arte é um processo composto por três etapas: (1) descrição pré-iconográfica: consiste no reconhecimento de seres, objetos e eventos; (2) análise iconográfica: reconstituição de alegorias, histórias e símbolos; (3) interpretação iconológica: revelação do significado intrínseco da obra, em outras palavras, exposição dos conteúdos inconscientes da mentalidade da época e do lugar em que ela teve origem.

A abordagem de imagens fotográficas por meio do método iconográfico/iconológico encerra uma crítica ao pressuposto realismo das fotografias que promove o apagamento da mediação em favor de um suposto testemunho da cena mostrada. Para os pesquisadores que adotam esta perspectiva teórica e metodológica, as fotografias não são feitas apenas para serem observadas, mas também para serem lidas.

No Brasil, um dos pesquisadores mais reconhecidos pela utilização deste método no estudo de imagens fotográficas é o fotógrafo e historiador Boris Kossoy, cuja obra oferece uma importante contribuição para o reconhecimento dos documentos fotográficos como fontes históricas.

Capas dos livros O Encanto de Narciso: reflexões sobre fotografia, Fotografia & História, Realidades e ficções na trama fotográfica, Os tempos da fotografia: o efêmero e o perpétuo. Todos de autoria do fotógrafo e historiador Boris Kossoy.
Boris Kossoy / Ateliê Editorial

Em sua obra, Kossoy propõe uma abordagem teórica e metodológica dos documentos fotográficos cuja finalidade é revelar o que está escondido atrás da visibilidade fixada em uma fotografia ou em um conjunto delas. Para isso, ele divide a interpretação das imagens fotográficas em duas etapas: (1) a análise iconográfica, que consiste na decodificação da realidade exterior do registro e (2) a interpretação iconológica, que consiste na compreensão da realidade interior do registro.

O significado mais profundo da vida não é o de ordem material. O significado mais profundo da imagem não se encontra necessariamente explícito. O significado é ima­terial; jamais foi ou virá a ser um assunto visível passível de ser retratado fotograficamente. O vestígio da vida cristalizado na imagem fotográfica passa a ter sentido no momento em que se tenha conhecimento e se compreen­dam os elos da cadeia de fatos ausentes da imagem. (KOSSOY, 2012, P. 130)

O que vemos em uma fotografia é apenas um fragmento de uma história oculta e a espera de ser revelada. Cabe àqueles que se dedicam à interpretação das imagens fotográficas recuperar essas micro-histórias implícitas em seus conteúdos e revivê-las no campo do imaginário.

Esta postagem propõe apresentar a síntese de uma das reflexões elaboradas ao longo do I Ciclo de Debates de nosso Grupo de Estudos, composto por quatro encontros realizados no período entre fevereiro e junho de 2021 e nos quais foram discutidas as seguintes obras, no todo ou em partes:

BARTOLOMEU, Cezar (org.) Dossiê Warburg. Arte & Ensaios, n. 19, Rio de Janeiro, n. 19, p. 118-143, 2009. ISSN:  2448-3338 Disponível em: <https://www.ppgav.eba.ufrj.br/publicacao/arte-ensaios-19/>
BURKE, Peter. Testemunha ocular: o uso de imagens como evidência histórica. São Paulo: Editora Unesp Digital, 2017.
KOSSOY, Boris. Fotografia & História. 4ª ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2012.
KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. 3ª ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002.
MAUAD, Ana Maria. Sobre as imagens na História, um balanço de conceitos e perspectivas. Revista Maracanan, v. 12, n. 14, p. 33 - 48, jan. 2016. ISSN 2359-0092. Disponível em: <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/maracanan/article/view/20858>. 
MAUAD, Ana Maria. Através da imagem: Fotografia e História - Interfaces. Tempo, v. 1, n. 2, p. 73 - 98, dez. 1996. ISSN 1980-542X . Disponível em: <http://www.historia.uff.br/tempo/artigos_dossie/artg2-4.pdf>. 
MENESES, Ulpiano Bezerra. Fontes visuais, cultura visual, história visual: balanço provisório, propostas cautelares. Revista Brasileira de História, v. 23, n. 45, pp. 11-36, 2003. ISSN 1806-9347. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rbh/a/JL4F7CRWKwXXgMWvNKDfCDc/>

Abaixo, você poderá assistir as gravações dos debates realizados neste ciclo. 



#artigos é uma coluna de caráter ensaístico e teórico. Trata-se de uma série de textos dissertativos por meio do qual o autor propõe uma reflexão fundamentada acerca de um ou mais elementos que constituem a cultura fotográfica. Quer conhecer melhor a coluna #artigos? É só seguir este link.


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