Os oitenta tiros

Uma fotografia que representa a violência policial com pessoas pretas no Brasil.


Essa foto é uma das cenas do assassinato de Evaldo Rosa, um homem negro e músico de 51 anos que estava indo a um chá de bebê com sua família, quando policias fizeram diversos disparos em seu carro por confundirem com o automóvel de bandidos que estavam em fuga, versão essa que foi dada pelos policiais. Evaldo morreu na hora.


a foto mostra uma mulher negra fazendo um gesto de indignação com as mãos e com o rosto, olhando para um carro que está com marcas de tiro. Ao  redor do carro tem outras pessoas também com expressão de indignação, no fundo da imagem há polícias e militares do exército em  com seus rostos desfocados.
Fabio Teixeira


Essa é uma fotografia forte e simbólica, ao olhar cada detalhe presente nela, é possível perceber como essa imagem diz tanto sem utilizar qualquer palavra. Aqui a imagem é uma forma de linguagem, em que grita para todos a brutalidade que acontece todos os dias com pessoas pretas e pobres no país.

A cena é muito cruel, a mulher que chora e está revoltada com o que vê é esposa de Evaldo, que também estava no carro com ele e seus filhos, mas nenhum deles foram atingidos. Ela presencia a cena do seu marido morto e por isso coloca em risco sua saúde mental, pois é um momento que pode gerar traumas em qualquer pessoa. Quando olho para a foto a sensação de tristeza e raiva é automática, porque não era para elas vivenciarem essa violência, mas é isso que o estado oferece para famílias como a do Evaldo.

As pessoas presentes na cena, todas negras, tanto os moradores quanto os policiais, reafirmam como o racismo torna sempre essa parcela da sociedade mais vulnerável. O carro alvejado de tiros evidencia os sinais de violência e o contraste da cor do carro, branco, com as pessoas negras ao redor me remete a desigualdade racial que existe no país entre os negros e os brancos. O estado é o maior culpado, já que utiliza da polícia como massa de manobra, que por sua vez também sofre com o racismo estrutural, fazendo com que os policiais no Brasil sejam os que mais matam, mas também os que mais morrem e as instituições de baixas patentes são compostas majoritariamente por negros e negras. No país existe, mesmo não oficialmente, uma política de extermínio da população negra que é justificada pelo estado como uma falsa política de guerra às drogas, mas que no fim só significa o genocídio do povo preto. Não é sobre os indivíduos que deram os disparos, é sobre a estruturação da política de segurança no Brasil que precisa ser revista. Os policiais, desfocados no fundo da imagem, representam para mim um estado omisso e covarde, que não tenta encontrar possibilidades de resolver a situação do tráfico e do crime de forma honesta, sem que pessoas inocentes precisem perder suas vidas todos os dias. Evaldo estava somente indo a um chá de bebê e acabou perdendo sua vida pela falta de responsabilidade dos órgãos de segurança.
Essa foto representa para mim o Brasil que deu certo. Um país que funciona como os detentores do poder financeiro querem, mantendo as estruturas coloniais funcionando somente para garantir seus privilégios, sempre utilizando da mão de obra escrava de pessoas pretas e marginalizando essa população para terem a riqueza concentrada em suas mãos. O país ainda continua funcionando da forma como eles querem, com o povo pobre, preto e periférico na base da pirâmide, explorados de diversas formas possíveis. Então, o Brasil precisa urgentemente dar errado.


#leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quarta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.




CALIXTO, Vitória. Os oitenta tiros. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://tinyurl.com/4k7ebjph >. Publicado em: 02/03/2022. Acessado em: [informar data].

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